31.8.06

Curta-metragem

Dor de estômago. Reflexo de um desleixo que chegou na alimentação, e isso é mau sinal, muito mau. Coisas por fazer, muitas. Ler livros, escrever textos, cuidar do corpo e da mente, ganhar dinheiro, lavar a louça, ao menos. Escreveria “ter prazer” se isso fosse algo a ser feito. Adiantaria se fosse?

Era um ponto estranho, esse a que chegara não se sabe como, de que jeito, por quais meios e caminhos. Um ponto a que resolveu chamar de “dieta de hipertenso”: pouco sal, quase nenhum sabor. Mantinha a vida confortável, tudo funcionando. E só.

Num passado não muito distante, ansiava. Que pode ser almejar, e era. Mas também pode ser agoniar-se, consumir-se. Nem isso. Agora era só ânsia mesmo, enjôo, náusea, o maldito estômago. Que triste conclusão quando tudo está bem, afinal. Sem sustos. O susto, digamos, de um sapato vermelho, saltos altíssimos, o andar elegante e ensaiado, vestido quase transparente sob o casaco importado, os longos cabelos cuidadosamente em desleixo. O cigarro – filtro vermelho pelo batom – atirado ao chão, esmagado com charme pelo sapato cor de sangue quase da mesma forma como seu corpo contra o muro, maldito caminhão.

(A última cena mistura muitos tons de vermelho)