28.12.06

Fim de festa

(odeio final de ano)

Another party's over
And I'm left cold sober
My baby left me for somebody new
I don't wanna talk about it
Want to forget about it
Wanna be intoxicated with that special brew
So come and get me
Let me
Get in that sinking feeling
That says my heart is on an all time low - So
Don't expect me
To behave perfectly
And wear that sunny smile
My guess is I'm in for a cloudy and overcast
Don't try and stop me
'Cos I'm heading for that stormy weather soon
I'm causing a mild sensation
With this new occupation
I'm permanently glued
To this extraordinary mood so now move over
Let me take over
With my melancholy blues
I'm causing a mild sensation
With this new occupation
I'm in the news
I'm just getting used to my new exposure
So come into my enclosure
And meet my
Melancholy blues

17.11.06

Felinos

(pra Bruma)

- Eu quero que você abra a torneira.

- Agora tô ocupada, peraí.

- Não, eu quero agora. E me ponha em cima da pia também.

- Espera...

- Por favooooooooooor!

- Ô, Cristo Redentor... Tô indo, tô indo...

...............

- Me dá matinho?

- Não tem matinho, ó. Acabou. Tem que esperar crescer.

- Eu quero matinho!!!!

- NÃO TEM!

- Por favor, por favor, por favor, por favor, por favor, por favor, por favor, por favor...

- Tá bom, tá bom! Pega esse pequenininho aqui.

..........................

- Sai daqui, agora não quero carinho.

- Ô, minha bonitinha, minha coisa mais linda, minha... ÁÁÁÁIIIII!!! Por que você me mordeu?

- Eu avisei que não queria carinho agora...

.........................................

- Oi!

- Dá pra sair de cima de mim?

- Não. Quero ficar aqui, bem na sua cara. Coça atrás da minha orelha?

..................................

- Chega pra lá que eu quero deitar aqui.

- Vem, coisinha, vem deitar aqui comigo, vem...

- Rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr........ zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz.......

....................................

Alguém pode me explicar como é possível amar um bicho assim?

Ou como se faz pra não amar...

9.9.06

Meia dúzia de coisas que aprendi sozinho

(plagiando Manuel com descaramento e muito gosto)


Em roupa verde, lágrima demora mais a secar do que água de pia.

Panela velha só faz comida boa se a dona tem lá seus temperos.

Vinho mancha. Mas sai.

A cicatriz que mais existe é aquela do machucado mais a toa.

Cigarro só faz mal quando é sem querer.

No dia seguinte, tudo que era verdade não aparece.

31.8.06

Curta-metragem

Dor de estômago. Reflexo de um desleixo que chegou na alimentação, e isso é mau sinal, muito mau. Coisas por fazer, muitas. Ler livros, escrever textos, cuidar do corpo e da mente, ganhar dinheiro, lavar a louça, ao menos. Escreveria “ter prazer” se isso fosse algo a ser feito. Adiantaria se fosse?

Era um ponto estranho, esse a que chegara não se sabe como, de que jeito, por quais meios e caminhos. Um ponto a que resolveu chamar de “dieta de hipertenso”: pouco sal, quase nenhum sabor. Mantinha a vida confortável, tudo funcionando. E só.

Num passado não muito distante, ansiava. Que pode ser almejar, e era. Mas também pode ser agoniar-se, consumir-se. Nem isso. Agora era só ânsia mesmo, enjôo, náusea, o maldito estômago. Que triste conclusão quando tudo está bem, afinal. Sem sustos. O susto, digamos, de um sapato vermelho, saltos altíssimos, o andar elegante e ensaiado, vestido quase transparente sob o casaco importado, os longos cabelos cuidadosamente em desleixo. O cigarro – filtro vermelho pelo batom – atirado ao chão, esmagado com charme pelo sapato cor de sangue quase da mesma forma como seu corpo contra o muro, maldito caminhão.

(A última cena mistura muitos tons de vermelho)

31.7.06

Letramento

Final de domingo diferente, visita dos tios, muita brincadeira, delícia de dia.

- Letícia, você já fez a lição?

- Não, mamãe.

- Como, não? Já tá de noite e amanhã de manhã vamos ao médico! Pega seu caderno agora! Vamos, vamos!

Desânimo, lentidão. Caderno aberto sobre a mesa.

- Deixa eu ver. Ah, tá fácil, é só copiar a frase três vezes. Vai, Letícia, sem moleza, hein? Vai, “Fábio afia a faca”. Fácil, né? Então vai. “Fábio afia a faca”.

Sozinha na sala, lápis na mão direita, a pequena cabeça apoiada na mão esquerda, um ar desolado e a pergunta que não quer calar:

- Mas quem é Fábio?

5.7.06

Cegueira oficial

- Você está sorrindo.

- Como?

- Na foto. Você está sorrindo.

- Pois é, eu tava feliz...

- Não pode.

- Não pode estar feliz?

Ela suspira, meio indignada, por trás do computador, da pilha de papéis, dos carimbos.

- Não pode sorrir na foto. E, veja, você está com a cabeça inclinada. Não pode.

- Mas como assim, não pode? Não entendi...

Mais indignação. Agora ela sorri, como que lamentando compreensivamente minha burrice, feito mãe diante de uma bobagem proferida pelo filho.

- Foto 3 por 4 não pode ser assim. Você tem que estar ereta e séria. Assim, com a cabeça pro lado e sorrindo, não pode.

- Mas quem disse que não pode?

- Eu estou dizendo.

Engulo a vontade de perguntar “mas quem é você pra dizer isso?”, temendo uma vingança em forma de mais burocracia e, muito amigavelmente, insisto.

- Tudo bem, não estou querendo discordar, só queria entender... É lei? Onde tá escrito?

- E precisa estar escrito em algum lugar?

- Claro que sim. Na Constituição. No Código Civil. Nas leis de trânsito. Na Bíblia, no Alcorão, que seja, mas tem que estar escrito em algum lugar, pra ser uma coisa oficial, sabe?

Vejo que ela vacila, tentando contornar a raiva ou a própria ignorância, sei lá. Lamentando, talvez, não poder dar uma de Arnaldo César Coelho e dizer “a regra é clara”, ou algo no gênero.

- Você já viu alguma foto de documento assim?

- Não...

- Nem eu. Então não pode.

- Quer dizer que, se você tivesse apitado a partida em que o Leônidas da Silva fez o primeiro gol de bicicleta da história, você anularia o gol, porque ninguém nunca tinha visto um gol daquele jeito antes?

- O quê?

- É. Se você fosse o juiz do jogo em que o Bernard inventou o saque Jornada nas Estrelas, você daria ponto pro adversário, porque ninguém nunca tinha visto um saque daqueles?

- Olha, me desculpe, mas eu não estou entendo o que você tá dizendo...

Ela é jovem. Nem devia ser nascida em 1982. Nunca deve ter ouvido falar no Diamante Negro. Escolhi mal os exemplos.

- Você vai mandar anular a eleição do Lula só porque nunca tinha visto um presidente com 9 dedos antes?

- Como?!

- Esquece, esquece. Onde eu posso tirar outra foto?

27.6.06

Precaução

Informo aos interessados que o nome do goleiro de Gana é Adjei. Freezer nele!

22.6.06

Mãe 2

Mais ou menos 30 minutos do segundo tempo.

- Mãe, isso é hora de ligar?

- Desculpe... Liguei no intervalo, você não atendeu... Eu precisava te falar. Escrevi o nome dele num papelzinho e coloquei no freezer.

- O que? Nome de quem, mãe?

- Do goleiro do Japão...

16.6.06

Errata

"A teoria da recepção manifestou a importância do leitor na co-produção do significado do texto e destacou a ativa implicação do indivíduo receptor na atribuição de significados durante o ato de leitura. Esta orientação serviu para precisar que ler não é só decodificar os signos do sistema da língua, como também construir significados. (...) O leitor adapta a informação recebida pelo texto, matiza-a em virtude das suas particulares condicionantes de recepção, estabelecendo conexões entre o que o texto diz, o que sugere e os seus conhecimentos prévios sobre a temática, sobre o estilo etc. do texto com o que interatua."
(A Estética da Recepção na Literatura Infantil - Armindo Mesquita - http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/infantil/armindo1.rtf)

Em virtude do acima exposto, e já que não há controle sobre a recepção de textos - por mais evidentemente ficcionais que eles sejam -, o post de título "Pelego", postado ontem, foi excluído deste blog. E que Deus ajude a quem tenta fazer literatura.

15.6.06

Feriado

Uma, quarenta. Outra, setenta. Viajavam juntas como se fosse uma despedida. Um bota-fora de sete dias pelo Sul, que é menos quente, minha filha, por favor, Nordeste não.

Café da manhã de hotel quatro estrelas. Mãe, calma, olha a diabete. Mas é tanta coisa gostosa, só um pouquinho. Ué, você só vai comer isso? Não tô com fome agora. Mas só isso, café com leite, pão com manteiga, só? É, mãe, só. Quando você era criança odiava isso, eu insistia mas você só queria leite com chocolate e sucrilho.

Essas viagens só servem pra engordar a gente, parece que acabamos de tomar café e já estamos almoçando. É, mas pelo seu prato, parece que você não come há meses. Quer parar de pegar no meu pé? Antigamente era eu que fazia isso com você. É, mas agora sou eu que tenho que ficar cuidando do seu colesterol. Eu sei me cuidar muito bem. É, tô vendo. Cara feia, caramba, pra quê? Desculpa, mãe, que bobagem, come o que quiser, quer um pouco de carpaccio? Nunca comi. Então experimenta, cê vai gostar. Ué, arroz e feijão? É, uai, não pode? Mas com tanta coisa pra escolher? Olha essa truta com molho de maracujá, esse purê de ervas! Mas, mãe, eu quero arroz e feijão, e essa carninha de panela, nem é tão boa como a sua, mas tá gostoso. Eu não tô entendendo nada. Quando você era criança, detestava arroz e feijão, era uma luta te fazer comer, só queria batata frita. Cê não vai pegar batata frita?

Nossa, quanto CD. Tem uma loja assim em São Paulo também, mãe. É, mas lá você nunca me levou. Eu sei. Vou levar. Não precisa, prefiro aqui. É, mas eu vou levar lá em São Paulo também, no dia em que a gente for no japonês. Êba. Olha, esse CD é bárbaro, vou levar. O quê?! Credo, mãe, que é isso, não precisa gritar. Como, o que é isso? Eu é que pergunto. Você vai levar um CD da Doris Day? Mãe, eu adoro a Doris Day. Mas como, como? Quando eu queria ouvir Doris Day você ficava reclamando, nem me deixava ouvir, eu tinha que ficar escutando Led Zeppelin. Eu ainda gosto do Led Zeppellin. É, mas você odiava a Doris Day. Quem gostava dela era eu.

E agora, aonde a gente vai? Como assim, mãe, não tá cansada? E desde quando concerto cansa? Cê entendeu. Ah, vamos tomar um chocolate quente. Sua diabete vai explodir no próximo exame... Seu pai morreu se preocupando com isso e olha só, morreu. Ficou sem tomar chocolate quente quase 10 anos e morreu. Mãe, se ele tivesse tomado chocolate quente, teria morrido há dez anos. É, mas teria morrido rindo. Olha que bonito, morrido rindo tem um som legal. Morridorindo morridorindo morridorindo. Mãe, o Chopin te deixou doida, é? Ué, era você que gostava de prestar atenção nesses sons, nos sons das palavras, lembra? E agora acha isso coisa de doido e quer me levar pra dormir às 11 da noite, quem diria, justo você, que brigava pra passar a noite fora. Mãe, tá frio, só tô preocupada com você. Quando você queria se divertir, você não se preocupava comigo. Agora sou eu que quero me divertir e você fica aí, se preocupando...

Quanto tapa na cara, quanto espelho pra encarar. E ainda é o primeiro dia.

2.6.06

Afinal


Não costumo escrever esse tipo de post aqui, um espaço que idealizei para literatura em outras pessoas que não a primeira. Mas o motivo merece a quebra de protocolo. Finalmente, o há anos extinto "Trevo", de Orides Fontela, foi reeditado. Mais: acrescido da produção dos oito anos últimos da autora. A edição é da Cosacnaify, linda, digna do recheio. Não percam. Vale cada centavo dos R$ 55,00 (na artepaubrasil.com.br está por R$ 44,00).

Abaixo, um pequeno petisco, bom pra abrir o apetite pelo livro...

FALA
Tudo
será difícil de dizer:
a palavra real
nunca é suave.

Tudo será duro:
luz impiedosa
excessiva vivência
consciência demais do ser.

Tudo será
capaz de ferir. Será
agressivamente real.
Tão real que nos despedaça.

Não há piedade nos signos
e nem no amor: o ser
é excessivamente lúcido
e a palavra é densa e nos fere.

(Toda palavra é crueldade.)

12.5.06

...

Então somos “duas senhoras, encharcadas de riso, diante do coruscante ouro da bebida”. Irônica citação de Hilda a iniciar o texto. E ao fundo o Adágio de Albinoni. Não, Clair de Lune, que tinha lua mesmo no céu.

Inesperado e preciso. Foi assim o encontro. Duas senhoras sentaram-se à mesa, uma em frente à outra. Conversaram animadamente. E foram descobrindo caminhos através de histórias do passado. Sim, risos. Família, amigos, amores... Aos poucos, foram chegando ao ponto.

Dói. O ponto é como um alvo, atingido em cheio, no peito.

Despedidas, promessas de um novo encontro, mais feliz. E o ir pra casa por ruas escuras e frias, o cigarro, tudo pontual, marcado, cena de cinema. É outono. Até à noite a luz é mais bonita.

O dia seguinte é como despertar de uma embriaguez. Mas as histórias serão. Tempo de verbo refletindo um cansaço estranhamente otimista. Ilusão, que seja. Duas senhoras se encontraram. Ainda é outono.

4.5.06

Pequenas descobertas 1

Se Pilatos fosse mulher, não seria um lavar de mãos, mas um lixar de unhas.

19.4.06

Contra a tristeza

Ninguém consegue ficar triste tendo em casa um gato e um laser-point...

13.4.06

Exercício

Estou apenas tentando cumprir os compromissos. Sem emoções, ou pelo menos sem demonstrar qualquer uma que seja. Puro protocolo. Invento histórias para dar cor a isso que virou minha vida. Leio livros e me coloco no lugar do protagonista, assisto a filmes e me vejo como o herói, ou aquele vilão meio seboso, ou mesmo um simples figurante, quase parte da paisagem. Pelo menos a sensação de pertencer a algo, ter influência em fatos, determinar ações, ser o fio da meada que conduz a mim mesma por um labirinto sem Ariadne, sem Minotauro, sem penas de pássaros ou colméias que me forneçam cera, construir asas assassinas que me levem de encontro ao sol. Ah, o sol, com seu calor, sua energia que só nos serve a distância, porque de perto.

Incrível como a cerveja desse bar é quente. Por que não tiram desse canal barulhento, ou desligam de uma vez a TV? O banco é preso à barra do balcão, meus joelhos se chocam com os tijolos frios. Um cheiro de fritura, uma luz desnecessária, e essas pessoas que riem tanto por que, meu deus. Meus pulsos doem só de levantar o copo, talvez se aqui dentro fosse mais escuro a sensação de frio fosse menor. Mas não, é uma luz de padaria, de laboratório. E nem vendem a minha marca de cigarro.

Eu podia ir embora, claro. Simplesmente pagar a conta, levantar e procurar um lugar melhor nessa cidade cheia de lugares que podem ser melhores ou piores, depende. Mas não. Autoflagelo. Fico.

É que ninguém. Aqui, não há possibilidades. Uma espécie de segurança. Aqui, ninguém me pega.

Aqui, sou eu que pego, se quiser. E quando quero, é fácil. Às vezes basta olhar, todo mundo é muito atento, deve ser a luz de laboratório, cobaias, testes a serem feitos, não importa o resultado. Dependendo do horário, tem que ser mais. Cruzar as pernas, esquece, esse balcão maldito. Tem que levantar, pedir licença, pegar o guardanapo, o catchup, o palito, a puta que o pariu, mas pegar algo numa mesa ou na outra ponta do balcão, e nesse movimento roçar alguma parte do corpo que não deixe dúvidas. Aí sim, o olhar. Um sorrisinho besta, meu deus, como eles caem nessa? Um ar de presa, de caça abatida, a pata ensanguentada nos dentes de uma armadilha invisível.

Depois é só deixar eles pensarem que a idéia foi deles. Que é deles a ação, a iniciativa, o inevitável “vamos pra um lugar melhor”, sim, os lugares melhores ou piores da cidade. E eu vou, conduzida, sorridente gueixa servil sem dar pinta de mulher rodada, que aí baixa o tesão e dá muito mais trabalho.

Normalmente, o “lugar melhor” é nos fundos do bar, uma rua escura, que isso é o que não falta. Sabe registro de água, aquele murinho? Em baixo, o relógio marcando o consumo, em cima, as pernas abertas, uns beijos babados, um pau que eu nem consigo ver se é bonito. É, tem isso, uns paus bonitos, esteticamente aceitáveis. Que pau, vamos combinar, pau é feio pra caralho. Olha só que frase bonita. Tem isso, também. Frases bonitas.

Que mais? Ah, foi ótimo, claro, a gente se encontra, eu sempre venho aqui. E nunca mais. Aí casa, banho, cama. TV ligada, cigarro, qualquer coisa com teor alcoólico acima de 15. Sem cúmplices. É, testemunhas, bichos, cachorro, gato, peixe, passarinho. Nada. Só eu.

Às vezes não tomo banho. Pra achar que tem mais alguém. É, cheiro. Basta.

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29.3.06

Consegui!

Atenção, fiéis. Depois de longa ausência - ocasionada, entre outras coisas, pela profunda amnésia que me fez deletar da mente meu nome de usuário e senha -, estou de volta. Quer dizer, pelo menos já posso entrar no meu próprio blog... Já é um começo.

5.1.06

A textura das lágrimas

Como um cronópio, resolveu entender a textura das lágrimas, porque era inútil e belo. Na verdade, foi porque “textura das lágrimas” soava bem, era um bom título, e assim tentou. Sem motivos nobres, só pela aparente grandiosidade da coisa.

Começou achando que era puro sal, que alimenta mas dá sede. Pode até matar, em excesso. Mas logo evoluiu para outras formas. Puro sal era o suor. No laboratório, juntou os dois líquidos e viu que ambos se misturavam perfeitamente. Daí achou que lágrima era cansaço. Mas chorou no cinema e abandonou a idéia.

Não era pura, a lágrima. Tipo água das fontes nas montanhas, nada disso. Tinha um gosto, um visgo, um peso. E era quente. Densa mesmo. Por isso achou que era triste. Mas experimentou umas amostras leves, quase translúcidas. Provou. A ponta da língua, apenas, um pouco de medo. Fez cócegas. Não podia ser só tristeza.

Um dia, cronópio bobo andando pelas ruas, tropeçou e caiu. Aparou a queda com as mãos, que ficaram raladas e cheias de sangue. Chorou. Primeiro ficou com raiva e vergonha pelo tombo público, e achou que lágrima era isso. Mas logo as mãos começaram a doer e quase concluiu que lágrima era, enfim, a água que sobra das dores que nos secam. Mas a dor passou, chegou em casa, onde ninguém podia ver seus úmidos olhos de cronópio úmido. E não sabia mais o que deduzir, ainda chorando, quase sem sentir.

Provou o sangue das mãos. Com a mão direita, recolheu uma gota e ficou esfregando aquela coisa morna e vermelha entre os dedos. Com a mão esquerda, fez o mesmo com uma lágrima.

Concluiu, então, que a textura das lágrimas era como a do sangue. Que a gente verte. Mas nos faz viver.