5.1.06

A textura das lágrimas

Como um cronópio, resolveu entender a textura das lágrimas, porque era inútil e belo. Na verdade, foi porque “textura das lágrimas” soava bem, era um bom título, e assim tentou. Sem motivos nobres, só pela aparente grandiosidade da coisa.

Começou achando que era puro sal, que alimenta mas dá sede. Pode até matar, em excesso. Mas logo evoluiu para outras formas. Puro sal era o suor. No laboratório, juntou os dois líquidos e viu que ambos se misturavam perfeitamente. Daí achou que lágrima era cansaço. Mas chorou no cinema e abandonou a idéia.

Não era pura, a lágrima. Tipo água das fontes nas montanhas, nada disso. Tinha um gosto, um visgo, um peso. E era quente. Densa mesmo. Por isso achou que era triste. Mas experimentou umas amostras leves, quase translúcidas. Provou. A ponta da língua, apenas, um pouco de medo. Fez cócegas. Não podia ser só tristeza.

Um dia, cronópio bobo andando pelas ruas, tropeçou e caiu. Aparou a queda com as mãos, que ficaram raladas e cheias de sangue. Chorou. Primeiro ficou com raiva e vergonha pelo tombo público, e achou que lágrima era isso. Mas logo as mãos começaram a doer e quase concluiu que lágrima era, enfim, a água que sobra das dores que nos secam. Mas a dor passou, chegou em casa, onde ninguém podia ver seus úmidos olhos de cronópio úmido. E não sabia mais o que deduzir, ainda chorando, quase sem sentir.

Provou o sangue das mãos. Com a mão direita, recolheu uma gota e ficou esfregando aquela coisa morna e vermelha entre os dedos. Com a mão esquerda, fez o mesmo com uma lágrima.

Concluiu, então, que a textura das lágrimas era como a do sangue. Que a gente verte. Mas nos faz viver.

2 comentários:

Anônimo disse...

Ei, cronópio, onde você tem andado que não escreve mais? Gosto dos teus textos, gosto muito mesmo. Vê se escreve...

Anônimo disse...

Cronópio, cronópio... já é hora de escrever sobre o riso...