6.12.05

A vírgula de 12,000.00

Agora que o principal envolvido "sumiu", podemos contar essa história que aconteceu naquela época em que o dólar valia ouro. Ou melhor, valia mais que ouro. Época em que CPI poderia significar “Custo Potencial Indexado” ou “Centro de Psicologia Interdisciplinar”, e só. Todo mundo corrompia todo mundo. Empregadas domésticas vendiam o leite em pó roubado da merenda escolar da escola de seus próprios filhos. E quem roubava era o marido. Negociavam-se cargos que iam de ascensorista a ministro. Uma putaria generalizada.

Encarregado pelo “patrão” de comprar o silêncio de um desafeto, Lívio estava até estranhando a sorte incomum que cercava toda a negociação. A coisa ia caminhando perfeitamente e ele até ganhara um computador para trabalhar com maior agilidade, o que lhe valeu o apelido de “moderninho”, já que computadores eram raros naquele tempo. Só faltava acertar valores e demais detalhes logísticos. Nessa etapa final, a comunicação era feita via fax, simulando uma inofensiva doação de mudas de equinácea, planta nativa dos Estados Unidos que possui propriedades imunoestimulantes. Transcreveremos aqui apenas as frases que interessam à compreensão da negociata.

“Prezado sr Alberto A producao de mudas de equinacia esta correndo como planejamos Podemos efetuar o envio do primeiro lote a sede de sua ong Cordialmente Rodrigo”

“Amigo Rodrigo. Recebemos a notícia com enorme satisfação. As mudas são mesmo aquelas anteriormente combinadas? As verdinhas? Abraço, Alberto.”

“Caro Alberto Precisamente Aguardamos orientacao para envio Rodrigo”

“Prezado Rodrigo, peço esclarecimento quanto ao número de lotes e quantidade de mudas por lote. Abraço, Alberto.”

“Alberto Esclarecendo sua duvida 12 mil por lote mensalmente Rodrigo”

“Por quanto tempo?”

“Um ano uai”

Lívio era mineiro.

Finalmente o primeiro “lote” foi entregue, e Lívio/Rodrigo não teve notícias de Alberto por três meses. Já havia esquecido o assunto quando recebeu um fax preocupante.

“Rodrigo, estou muito insatisfeito em ver que nosso acordo não está sendo respeitado. O fato de estarmos falando de uma doação não justifica tal comportamento de sua parte. Não quero esclarecimentos, quero minhas mudas. Alberto.”

Foi bem aí que o pacato espírito mineiro de Lívio resolveu dar lugar a uma indignação de negociante honesto. Má hora, má hora... Sentou-se imediatamente em frente a seu computador e respondeu, cheio de brios.

“Prezado Alberto o acordo esta sendo plenamente respeitado Sugiro que aguarde o passar do tempo para usufruir do total das mudas Sem mais Rodrigo”

Ao ter o silêncio de Alberto como resposta, Lívio acreditou piamente na eficácia de sua atitude impetuosa. Antes de desligar o computador, beijou a tela negra, sorrindo satisfeito com a praticidade dos tempos modernos. E foi pra casa.

Nunca chegou. Passado o susto com a fechada que levou numa rua meio escura, saiu do carro pronto para tomar satisfações. E deu de cara com um Alberto armado de uma cara furiosa – e de um 38.

- Se você acha que eu vou deixar um ignorante me passar a perna, está muito enganado, seu safado!

- Escuta aqui: você me chama de desonesto, me dá uma puta fechada e ainda me chama de ignorante? Você é que é safado, isso sim!

- Desonesto e ignorante, sim. Desonesto porque me prometeu 12 lotes com 12 mil mudas, e só me mandou mil por lote. E ignorante porque não sabe escrever, seus fax não têm pontuação, não têm acento, uma vergonha. Desosnestidade, eu até aceito. Mas não assassina o Português!

- Mas do que você está falando? 12 mil, você entendeu errado, eu... eu... Ah, meu Deus, é o computador! Eu não sei colocar vírgula, nem ponto, nem acento! Eram 12 lotes, mil por lote! 12, vírgula, mil por lote, vírgula, mensalmente! Mil por lote, eu juro!

- Pois da próxima vez use uma Olivetti, vírgula, seu burro, ponto de exclamação!

Morreu, coitado. Ou morreu coitado. Pode escolher.

Um comentário:

Su disse...

Mas onde é que vc pretende chegar escrevendo essas maravilhas, hein? Vai substituir o Cony?

Beijos enormes, com saudades.